Formar ou produzir? o paradoxo do orientador

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Universidade Federal de Viçosa

Published

February 7, 2025

Quando iniciei minhas atividades como docente, tinha uma visão superficial e incompleta de todos os desafios que enfrentaria para alcançar meus objetivos, o que é natural no começo da carreira. Esses desafios incluíam metas pessoais, mas também expectativas institucionais. Entre eles estavam: formar um grupo de pesquisa sólido em epidemiologia, captar recursos para financiar os trabalhos, atrair e orientar estudantes e desenvolver habilidades didáticas – muitas delas não contempladas de maneira consistente em minha formação no doutorado e pós-doutorado.

Não é um caminho fácil, especialmente porque o docente precisa, desde cedo, lidar com múltiplas demandas enquanto busca equilibrar pesquisa, ensino e extensão – além de funções administrativas. Em instituições de ensino superior, há, de fato, uma expectativa de que o docente se associe a um programa de pós-graduação. Nesse ambiente, dispõe-se de certa liberdade para traçar uma trajetória acadêmica. Essa autonomia permite decidir quais linhas de pesquisa seguir, com quais grupos e colegas colaborar e como organizar as atividades.

Essa liberdade, entretanto, vem acompanhada de responsabilidades. É essencial que o docente alinhe suas escolhas às demandas institucionais e aos seus objetivos acadêmicos. Na prática, o aprendizado ocorre no cotidiano do trabalho, com acertos, erros e nas conversas com colegas mais experientes. Ao participar de um programa de pós-graduação, o docente conta com apoio direto, especialmente com alunos de mestrado e doutorado. Na maioria dos casos dispõe de recursos financeiros limitados oferecidos pelo Programa. Para suprir essa deficiência, é necessário submeter propostas a editais de agências públicas de fomento ou buscar captação diretamente na iniciativa privada.

Como não há almoço grátis, essa estrutura logo gera cobranças. As coordenações dos programas demandam produtividade dos orientadores, medindo-a por métricas como o número de artigos publicados. Quanto maior a nota do programa na avaliação da CAPES, em teoria, mais elevado é o sarrafo. Ou seja, quanto mais recursos um orientador recebe, maior é a pressão por resultados, reforçando a lógica produtivista que predomina em muitos programas de pós-graduação.

A academia não deveria ser encarada como um campeonato de número de publicações, especialmente no contexto da formação de mestres e doutores. Escrever boas publicações com alunos leva tempo, comparável ao período de formação dos mesmos. O objetivo principal deveria ser construir conhecimento e formar profissionais competentes e críticos. Contudo, as métricas de produtividade ainda são importantes indicadores utilizados para avaliar programas ou pesquisadores (ex: bolsa de produtividade). Em alguns, exige-se a publicação de um artigo para que a defesa possa ser agendada, o que cria uma pressão por quantidade em detrimento da qualidade.

Mas o que seria o ideal? que o orientador integrasse a produção acadêmica ao processo formativo, utilizando a escrita de artigos como ferramenta pedagógica para desenvolver habilidades analíticas, de escrita e de comunicação científica nos alunos. Isso exige planejamento, com projetos bem definidos e metas alinhadas ao cronograma da dissertação ou tese, garantindo que as publicações sejam úteis tanto para a formação do aluno quanto para o avanço da área. Assim, o orientador atende às demandas institucionais enquanto ajuda o aluno a construir um portfólio competitivo e uma base sólida para sua carreira. Em suma, o desafio é encontrar equilíbrio entre as diversas atividades.

Os professores-orientadores são indivíduos com habilidades específicas, destacando-se em áreas onde têm maior desenvoltura. Por exemplo, há aquele excelentes na criação e venda de ideias, capazes de atrair grandes volumes de recursos financeiros para seus grupos de pesquisa. Outros se destacam na formação de alunos, equipando-os com pensamento crítico e transformando-os em bons cientistas. Alguns dedicam-se mais intensamente às atividades de sala de aula, enquanto outros priorizam a entrega de resultados em forma de artigos, assumindo protagonismo na produção acadêmica. Por fim, há aqueles que se envolvem em atividades de extensão, como palestras para o setor acadêmico ou industrial.

Embora a colaboração entre diferentes perfis de docentes de um programa pudesse trazer inúmeros benefícios, muitas vezes ainda prevalece a lógica de pequenos feudos acadêmicos, o que limita o potencial coletivo e reforça barreiras que poderiam ser superadas com maior integração e cooperação. O “super-professor”, aquele que é excelente em todas as áreas citadas acima, é uma figura utópica.

Contudo, em um ambiente acadêmico onde somos constantemente cobrados por resultados proporcionais aos recursos que recebemos, é fundamental focar em entregas que promovam o bem coletivo de um programa de pós-graduação, deixando de lado abordagens individualistas. Essa perspectiva é válida tanto para docentes em início de carreira quanto para aqueles com trajetórias consolidadas. Alcançar um equilíbrio entre habilidades individuais, demandas institucionais e contribuição ao avanço científico é indispensável para o sucesso na carreira acadêmica e para formar novos pesquisadores capazes de impactar positivamente a ciência e a sociedade.


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