Data available on request - até quando?
Ao ler artigos científicos, você provavelmente já notou com frequência a expressão “data available on request” na seção “declaração de disponibilidade de dados”, indicando que os dados gerados no estudo e utilizados nas análises serão fornecidos apenas mediante solicitação. Essa prática é intrigante num momento em que a ciência aberta se consolida como um pilar essencial para a transparência e a reprodutibilidade. Mas até quando essa abordagem será considerada aceitável?
Em 2018, junto com meu colega Adam Sparks, iniciei um movimento para conscientizar a comunidade sobre a importância da ciência aberta na Fitopatologia. Esse esforço resultou na criação da iniciativa Open Plant Pathology, cujo objetivo era promover práticas mais transparentes, incentivando o compartilhamento aberto de dados e o uso de ferramentas de código aberto pela comunidade científica.
Com o apoio de outros colegas, utilizamos ambientes de chat para fomentar discussões e criamos um website para divulgar postagens sobre o tema. Foi nesse contexto que surgiu um esforço colaborativo para responder a uma questão essencial: com que frequência os pesquisadores compartilham os dados em artigos publicados em revistas de Fitopatologia?
Os resultados do estudo publicado na revista Phytopathology não foram animadores, como já era esperado. Apenas uma fração ínfima das publicações incluía os dados originais e detalhava os métodos de análise de forma a permitir a reprodutibilidade da pesquisa. O compartilhamento dos códigos de programação utilizados nas análises era ainda mais raro.
Os dados gerados em um estudo científico são parte integral da pesquisa e deveriam estar acessíveis junto ao artigo publicado, garantindo mais transparência no processo decisório durante as análises. Isso permitiria, por exemplo, que revisores tivessem mais subsídios para avaliar a qualidade das análises realizadas. De fato, o compartilhamento de dados na ciência oferece múltiplas vantagens: aumenta a transparência e a reprodutibilidade das pesquisas, acelera descobertas ao evitar a duplicação de esforços, amplia o impacto e a visibilidade dos estudos, facilita metanálises e comparações, estimula colaborações e inovação. Além disso, dados compartilhados podem ser reaproveitados em novas abordagens, gerando sínteses mais robustas e promovendo avanços que beneficiam toda a comunidade científica.
Se há tantas vantagens, por que essa prática ainda não é amplamente adotada? Uma das principais razões é a falta de incentivos, exigências e até mesmo conhecimento sobre como disponibilizar os dados em repositórios. A maioria das revistas científicas não torna o compartilhamento obrigatório, e as agências de fomento, embora incentivem o acesso aberto às publicações, ainda são tímidas quanto à exigência de compartilhamento de dados em seus editais. Além disso, há desafios particulares em algumas áreas. Dados sensíveis, como aqueles relacionados à saúde humana, estão sujeitos a regulamentações rigorosas, exigindo anonimização para proteger a identidade dos indivíduos envolvidos.
Outro fator relevante é o receio de que, ao disponibilizar publicamente seus dados, outros pesquisadores os utilizem para publicar estudos semelhantes ou mais abrangentes antes que os próprios autores tenham a chance de explorá-los completamente. Esse medo, embora legítimo, pode ser mitigado por meio de licenças de dados que garantam o devido crédito aos autores originais.
A iniciativa Open Plant Pathology talvez não tenha provocado uma mudança imediata e ampla na comunidade científica, dada a dificuldade de transformar uma cultura de forma voluntária e individual. Mudanças desse tipo são desafiadoras e levam muitos anos, ou até décadas.
Ainda assim, o movimento encontrou ressonância em instituições importantes. A Sociedade Americana de Fitopatologia (APS), por exemplo, publicou um artigo destacando boas práticas para uma ciência mais aberta, incluindo o compartilhamento de dados. Na Sociedade Brasileira de Fitopatologia, tentou-se implementar um time de editores de dados na revista Tropical Plant Pathology, mas o engajamento foi mínimo por parte dos autores, e a iniciativa não obteve o impacto esperado.
Enquanto isso, artigos continuam sendo publicados sem disponibilização direta dos dados originais, perpetuando uma prática que limita o acesso à informação e enfraquece o princípio da transparência.
Para reverter esse cenário, a comunidade acadêmica precisa valorizar mais as práticas de ciência aberta, reconhecendo os dados como produtos legítimos da pesquisa, assim como os artigos científicos. Essa valorização poderia ser incorporada a processos de seleção acadêmica e rankings institucionais, incentivando uma cultura de transparência, reprodutibilidade e colaboração.
Além disso, seminários, campanhas educacionais e workshops sobre o uso de ferramentas para tornar a pesquisa mais reprodutível seriam fundamentais para fomentar essa mudança cultural. No entanto, essa formação precisa ser integrada diretamente nos cursos de pós-graduação. Os futuros cientistas devem ser capacitados não apenas a produzir conhecimento, mas também a torná-lo transparente, acessível e reprodutível. No Brasil, a Rede Brasileira de Reprodutibilidade tem desempenhado um papel fundamental na promoção de práticas de pesquisa mais transparentes e confiáveis na comunidade científica nacional.
Enquanto essas mudanças não se concretizam de forma mais ampla, o “data available on request” continuará predominando. Mas essa opção, além de restringir o acesso aos dados, levanta uma dúvida: os dados realmente são enviados aos leitores quando solicitados? Estudos indicam que, na prática, essa disponibilidade é incerta.
E você, o que pensa sobre o compartilhamento de dados na pesquisa científica? Você ainda distribui seus dados apenas sob demanda?
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